Entre 1989 e 1993, a cidade de Altamira, no interior do Pará, foi palco de um dos casos mais chocantes da história do estado. Quatorze meninos, com idades entre 8 e 14 anos, foram vítimas de emasculação, violência sexual e assassinato. Este caso hediondo, que ficou conhecido como “os emasculados de Altamira”, envolveu uma série de desaparecimentos e mortes que abalaram a comunidade local, marcando um capítulo sombrio na história do estado. A trama intrincada teve desdobramentos judiciais controversos e deixou sequelas que persistem até os dias atuais.
Investigação e desdobramentos
Os primeiros sinais do crime surgiram quando três meninos foram sequestrados e tiveram seus órgãos genitais removidos, sendo eles as únicas vítimas encontradas com vida. O caso parecia ter sido solucionado quando o morador de rua Rotílio de Souza foi reconhecido por dois dos meninos sobreviventes, sendo preso. Contudo, os crimes persistiram e se agravaram após a prisão de Rotílio – que, posteriormente, foi encontrado morto em sua cela, sem sinais de suicídio –, com seis mortes e cinco desaparecimentos, levando à reabertura da investigação, desta vez mais profundamente.
A complexidade das investigações
As autoridades inicialmente suspeitaram de uma possível rede de tráfico de órgãos de crianças, dado o modo como as vítimas foram encontradas, com órgãos removidos de maneira estratégica. O envolvimento dos médicos Anísio Ferreira de Sousa e Césio Brandão foi considerado, mas, devido à falta de evidências conclusivas, o caso foi arquivado.
No entanto, em 1993, testemunhas resgataram os nomes dos dois médicos, afirmando que eles estavam envolvidos com práticas de magia negra associadas à seita Lineamento Universal Superior, o que reacendeu a investigação. Essa seita foi apontada como uma organização mística que contesta a ideia ocidental da divindade e trata as crianças de maneira demoníaca.
Julgamento e condenações
No mesmo ano, o delegado Éder Mauro encerrou o caso, atribuindo as mortes aos rituais de magia negra e satanismo da seita e indiciando sete pessoas, incluindo médicos, policiais e outros membros. Em 2003, após um julgamento que durou 17 dias, quatro suspeitos foram condenados. O ex-policial militar Carlos Alberto dos Santos recebeu 35 anos de prisão, o comerciante Amailton Madeira Gomes, 57 anos, e os médicos Anísio Souza e Césio Brandão receberam 77 e 56 anos, respectivamente. Valentina de Andrade, apontada como líder da seita e mentora dos crimes, foi absolvida por insuficiência de provas.
Os anos seguintes ao julgamento foram marcados pelas mortes de cinco envolvidos no caso, e, recentemente, ao final de 2022, Valentina de Andrade veio a óbito. Césio Brandão está em liberdade condicional, residindo no Espírito Santo.
A reviravolta com Chagas
Seis meses após o julgamento, o mecânico Francisco das Chagas foi preso e confessou o sequestro e assassinato de 30 meninos em cidades próximas a São Luís, no Maranhão. As condições das vítimas de Chagas no Maranhão eram semelhantes às de Altamira, e a polícia apurou que o homem morou na cidade do Pará durante o período das mortes, levando à associação dos casos. Entretanto, ainda que Francisco das Chagas tenha assumido a autoria das mortes em Altamira, a polícia do Pará não aceitou a versão dele, alegando inconsistências nos depoimentos e sugerindo que a confissão foi feita na tentativa de inocentar os condenados.
Impacto duradouro
Os “emasculados de Altamira” representam não apenas um capítulo sombrio na história do Pará, cuja população persiste na busca por reconciliação com seu passado trágico, mas também uma lembrança dolorosa da complexidade e dos desafios enfrentados pelo sistema judicial em casos tão perturbadores. As questões em aberto e as dúvidas que persistem destacam a necessidade contínua de esclarecimentos e justiça para as vítimas e suas famílias, que enfrentam até hoje as marcas desse episódio macabro.
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Por Leo Soares
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