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O sistema penal no Brasil, e na quase totalidade dos países democráticos ocidentais é o sistema acusatório, isso significa que figuras distintas exercem os papeis de acusar, defender e julgar.

Antes da adoção desse sistema, vigorava o chamado sistema inquisitivo, em que esses papeis se confundiam, por vezes recaindo no mesmo sujeito dois ou mais papeis.

As críticas ao sistema inquisitivo parecem obvias, e, sem querer chamar atenção para referencias religiosas, uma passagem bíblica resume bem as razões da rejeição ao referido sistema, “ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro”.

As vítimas de crimes, em quase todo o mundo moderno, tiveram retiradas de si a possibilidade de processar diretamente o seu agressor, de julgá-lo e de aplicar-lhe diretamente uma pena, recaindo sob o Estado esse papel, a fim de evitarmos a barbárie. O Estado, através do Ministério Público, busca a reparação do malfeito às vítimas de crime, através de uma pena justa, dentro dos moldes pré-estabelecidos pelo próprio Estado-legislador.
Assim, cabe ao Ministério Público assistir juridicamente a vítima em todo o processo criminal, porque, em última análise é ele quem busca resgatar a dignidade e o status quo daquele que teve um direito fundamental seu lesionado ou usurpado.

Importante que se diga que as garantias do réu devem ser observadas em todo processo penal democrático, mas que não se esqueça que, em última análise, o processo só será efetivamente justo quando aplicar uma pena ao criminoso que condiga com o mal causado pelo crime cometido.

Desta forma, o Brasil conta hoje com sujeitos distintos no processo que devem guardar sobretudo as funções que lhes foram conferidas pela Constituição da República, sob pena de fomentarmos o caos do sistema acusatório e torná-lo ainda mais confuso e menos eficiente.

O Ministério Público como já referenciado, tem o papel de propor as ações penais públicas, de forma que os crimes mais graves, como feminicídios, roubos e latrocínios, são levados a julgamento após a propositura de suas ações. Não são as vítimas diretamente que propõem as referidas ações, estas não precisam de advogados para tenham os seus agressores processados, este é um papel do Estado, do Ministério Público, que age em sua defesa e na defesa de toda a sociedade.

O papel da defensoria pública é o de fazer a defesa dos réus hipossuficientes, ou seja, daqueles economicamente pobres, incapazes de contratar advogados diretamente.

A instituição tem, portanto, um papel claro e importantíssimo, defender os acusados em processos criminais, servindo ao senhor réu, para que obtenha um processo justo, com a observância de todas as garantias constitucionais e legais.

Ao Poder Judiciário, por sua vez, cabe julgar o feito, a fim de efetivamente trazer justiça ao caso concreto, aplicando uma pena justa ao réu, e sobretudo, a vítima.

No mais, o Código de Processo Penal ainda traz a figura do assistente de acusação, que é a própria vítima ou um representante seu, através de advogado devidamente constituído, que pode ingressar no processo e participar efetivamente, o que lhe traz ônus e bônus.

Recentemente, algumas instituições passaram a mencionar uma nova figura processual, a do assistente qualificado da vítima, em franca confusão com o disposto na Lei Maria da Penha, que apenas garante que a vítima terá assistência jurídica e, aliás, o faz inicialmente no art. 27, com referência aos advogados. Portanto, à vítima se assegura assistência jurídica, mas não uma presença constante, obrigatória e mesmo (por vezes) contra a sua vontade, de um suposto assistente distinto da figura do Ministério Público.

Importante que se diga que todo e qualquer crime só pode ser assim considerado, quando há uma lesão ou ameaça de lesão grave a um direito fundamental, é a chamada ultima ratio. Desta forma, todo e qualquer processo criminal traz na essência a defesa de um direito humano fundamental, seja ele de uma vítima direta ou da sociedade como um todo. Assim, a defesa dos direitos humanos das vítimas estão assegurados constitucionalmente, e este papel é do Ministério Público.

Mesma nas hipóteses em que a legitimidade para a propositura de ações é atribuída a própria vítima (ações penais privadas), incumbe ao Ministério Público a defesa da vítima, tais como, propor aditamento como a inclusão de pedido de reparação de dano, interpor recursos e zelar pelo regular desenvolvimento do devido processo legal.

É, portanto, dever das demais instituições, Poder Judiciário, Defensoria Pública, e a própria Ordem dos Advogados do Brasil, observarem que essa assistência jurídica de que fala a Lei Maria da Penha é papel constitucional ministerial e trabalharem na efetivação desta norma, evitando confusões no sistema acusatório vigente, deixando a cada instituição o seu dever de servir ao seu próprio senhor, ou, no caso da vítima, a sua senhora.

Com essas reflexões, aguarda-se a aprovação do requerimento de urgência (CD223326114600) do Estatuto da Vítima (PL n. 3.890-2020) pela Presidência da Câmara dos Deputados. A vítima, senhora do parquet, precisa de regras claras de garantia de acesso seus direitos: informação, participação, comunicação, assistência, defesa e reparação do dano.

A confiança se constrói no exercício da efetivação dos direitos de todos e como já prevê a ONU, “ninguém pode ficar para trás”. Subverter essa ordem seria atentar contra o próprio sistema democrático.

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Autores:

Drª Celeste Leite dos Santos e DRª Isabelle Figueiredo – Promotora de Justiça em Tocantins, Coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Crimes Violentos (Navit), Voluntária do Instituto Pró Vítima.

Celeste Leite

Celeste Leite

Presidente do Instítuto PróVítima, Promotora de Justiça, Doutora pela USP, Autora e Idealizadora do Estatuto da Vítima PL 3890/2020, Gestora dos Projetos Avarc, Higia Mente Saudável e Memorial Avarc às Vítimas da COVID-19, com capacitação no Programa Star- Estratégias Para Prevenção do Trauma e Formação da Resiliência e Conferência Vitima-Ofensor pela Eastern Mennonite University.
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