Por Leo Soares
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Há 51 anos, o Brasil foi marcado por um crime hediondo que chocou a nação e, posteriormente, inspirou a criação do Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
A vítima dessa tragédia foi Araceli Cabrera Sánchez Crespo, uma menina de 8 anos que foi brutalmente assassinada. Seu corpo, desfigurado por ácido e marcado por sinais de violência e abuso sexual, foi encontrado seis dias após o seu desaparecimento.
Araceli era a segunda filha do eletricista espanhol Gabriel Crespo e da boliviana radicada no Brasil, Lola Sánchez. A família se mudou para o Espírito Santo em busca de uma vida longe da poluição de Cubatão. Eles residiam na cidade de Serra, em uma casa modesta na rua São Paulo, hoje nomeada rua Araceli Cabrera Sánchez Crespo.
O pesadelo começou em 18 de maio de 1973, quando Araceli não retornou para casa após a escola. Seu pai, suspeitando de um sequestro, distribuiu fotos da filha nos jornais locais. Seis dias depois, um corpo em avançado estado de decomposição foi encontrado em um matagal na praia do Suá.
A identificação foi controversa, com a polícia inicialmente reconhecendo o corpo como sendo o de Araceli sem a presença da família da menina. Posteriormente, o procedimento foi corrigido com uma nova perícia, realizada quase um mês depois, que confirmou se tratar do corpo dela.
A cidade viveu momentos de angústia, com boatos e falsas pistas espalhados pela imprensa. Uma denúncia a respeito de uma menina em Nova Venécia levou a polícia até a cidade, mas a criança encontrada não era Araceli. Em meio a incertezas, uma ligação de um suposto sequestrador exigindo resgate trouxe mais desespero à família. Contudo, o criminoso desapareceu, e a polícia enfrentou críticas por sua atuação na época.
A verdade veio à tona por meio da investigação: a menina foi mantida em cativeiro, violentada e drogada por dois dias pelos suspeitos, Paulo Helal e Dante Michelini Júnior. Os detalhes do crime são arrepiantes.
Araceli esperava o ônibus depois da escola quando Paulo Helal, que estava em seu Ford Mustang branco, pediu à sua amante, Marislei, dizer à menina que o “Tio Paulinho” a chamava para levá-la para casa.
A menina foi capturada e mantida em cárcere privado por dois dias entre o porão e o terraço do Bar Franciscano, que pertencia à família de Michelini; tudo com o conhecimento de Dante Michelini, pai de um dos acusados.
Os rapazes, sob efeito de barbitúricos (sedativos-hipnóticos), teriam lacerado a dentadas os seios e partes da barriga e da vagina da menina. Ela foi levada agonizando ao Hospital Infantil, mas não resistiu.
Após a morte, os acusados permaneceram com o corpo dela, mantendo-o sob refrigeração e, posteriormente, jogando ácido corrosivo para dificultar a identificação do cadáver.
Em seguida, os restos mortais da menina foram jogados em um terreno próximo ao mesmo Hospital Infantil.
Os suspeitos pertenciam a famílias influentes do Espírito Santo e, apesar das evidências, Paulo Helal e Dante Michelini Júnior jamais foram condenados pela morte de Araceli. Boatos e ameaças de morte pairavam sobre aqueles que tentaram desvendar o caso, como o jornalista José Louzeiro, autor do livro Aracelli, meu amor, obra censurada durante a ditadura militar a pedido dos advogados dos acusados.
Após a morte do sargento José Homero Dias, que investigava o caso, o silêncio se instalou, mas uma CPI posteriormente revelou omissão da polícia no caso, a fim de proteger os assassinos. Apesar de haver testemunhas contra eles, os acusados nunca foram condenados.
Em 17 de maio de 2000, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei nº 9.970, proposta pela então deputada Rita Camata, que institui o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em memória de Araceli.
A data busca conscientizar a sociedade sobre a gravidade dos crimes cometidos contra menores, mantendo viva a memória de uma inocente vítima que não teve justiça. A tragédia de Araceli Crespo permanece viva na memória nacional, servindo como um lembrete sombrio da luta contínua contra o abuso infantil e a impunidade.