Pesquisar

O fenômeno cultural do entretenimento, em particular os programas de “true crime”, revela nuances complexas da condição humana. Uma transmissão do Saturday Night Live, datada de 27 de fevereiro de 2021, trouxe à tona uma dimensão inquietante da forma como lidamos com os aspectos mais sombrios da realidade, apresentando mulheres cantando alegremente sobre programas de crimes reais durante suas rotinas domésticas diárias. A pergunta que se impõe é: por que essa representação nua e crua da realidade é tão atrativa para nós?

A resposta está em nosso fascínio pelo obscuro, atraídos pela abissal iniquidade humana que tais programas colocam em evidência. A cada episódio, o crime hediondo, a investigação meticulosa e a eventual condenação do criminoso tornam-se uma tragédia grega moderna, um teatro no qual a maldade é exposta e, de alguma forma, depurada. Essa estrutura narrativa parece ecoar os contornos de nossa existência, permeada por conflito, tensão e, focada, em algum tipo de resolução.

Ainda assim, a ressonância desses programas de crimes reais vai além da simples estrutura da narrativa. Eles ampliam os princípios da moral simplista, expondo o espectador a dilemas morais insondáveis, revestidos na trama crua da vida e da morte. Consequentemente, o espectador é compelido a confrontar sua própria moralidade, a questionar e ponderar sobre a linha tênue entre o bem e o mal.

Tais programas também nos levam a uma reflexão ontológica sobre a natureza da existência humana. Ao confrontar-nos com a mortalidade e a fragilidade da vida, eles provocam uma profunda reflexão sobre nossa própria finitude e o caráter efêmero da existência. Esta contemplação, apesar de assustadora, traz consigo uma apreciação da nossa sorte relativa, da nossa existência efêmera, mas ainda intacta.

Por fim, há um elemento psicológico nessa atração: o desejo de participar vicariamente da transgressão. Ao assistir a esses programas, somos capazes de explorar o lado escuro da humanidade de um lugar seguro. Este elemento pode ser visto como um eco da “Teoria do Medo Divertido” de Sigmund Freud, em que a fruição do horror é uma forma de enfrentar nossos próprios medos e inseguranças em um ambiente controlado e seguro.

Em suma, os programas de “true crime” se tornam uma lente interessante da qual podemos explorar os recantos mais escuros da psique humana, questionar a moralidade, contemplar nossa existência efêmera e nos engajar em transgressões vicárias. Eles nos atraem porque encarnam o drama humano em sua forma mais crua, nos convidando a enfrentar, de dentro da segurança de nossas casas, as profundezas mais sombrias da condição humana.

Carla Albuquerque

Jornalista, apresentadora e showrunner. Sua carreira extensa é marcada por mais de 40 séries de TV produzidas e dirigidas nos mercados nacional e internacional. Carla é reconhecida como uma pioneira brasileira nos programas policiais, investigativos e criminais, conquistando grande sucesso e prestígio ao longo de sua trajetória.
Compartilhe:

Notícias relacionadas