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Tão temido que os cartórios e a igreja católica proibiram novos registros com o mesmo nome. Poucas são as pessoas que podem se gabar de ter causado tanto terror na população. Febrônio Ferreira de Mattos ou, simplesmente, Febrônio Índio do Brasil adquiriu tal notoriedade. O segundo de 14 filhos do casal Theodoro Simões de Oliveira e Reginalda Ferreira de Mattos nasceu em São Miguel de Jequitinhonha, em Minas Gerais. O garoto teve uma infância conturbada, na qual presenciou as surras que seu pai, alcoólatra, destinava à mãe, além de ter sido alvo delas por diversas vezes.

Para escapar de tal ambiente, aos 12 anos, em 1907, Febrônio fugiu de casa e, em Diamantina, rapidamente se alfabetizou e começou a trabalhar como copeiro. Na época em que era adolescente, o rapaz mudou-se diversas vezes entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, até que se estabeleceu na cidade do Rio de Janeiro em 1916, onde começou a praticar uma série de crimes. Renato Pires Mofati, historiador especialista na história de Febrônio, o qual viria a se tornar o primeiro paciente do manicômio judicial no Brasil, em entrevista ao site “A Gazeta”, define o criminoso: “Ele iniciou seus crimes a partir de 1917, com a arrogância de um psicopata, compulsivo, sádico, inteligente e adorava criar personagens para si mesmo. Seus disfarces, com as investigações, foram pouco a pouco descobertos: caseiro, gerente de hotel, mascate viajante, dentista, barbeiro, policial, médico, conselheiro espiritual, entre outros.”

A visão que aterrorizou um país

Fraude, chantagem, suborno, furto, roubo e vadiagem foram os primeiros crimes pelos quais Febrônio foi detido, mas tudo mudaria a partir de 1920. Em uma das vezes que estava preso, o criminoso teve uma visão que mudaria a sua vida e, infelizmente, a de muitos que cruzaram seu caminho. Na Colônia Correcional de Dois Rios, em Ilha Grande, Febrônio foi visitado por uma mulher loira. Na sua visão, a mulher concedeu a ele a alcunha de “Filho da Luz”, um título que carregava a responsabilidade de contar às pessoas que Deus não estava morto. Com esse título, também veio a tarefa de tatuar meninos com as iniciais “DCVXVI” (Deus, Caridade, Virtude, Santidade, Vida e Imã da Vida). Febrônio tatuou as iniciais ao longo de seu tronco e a frase “Eis o Filho da Luz” em seu peito. As visões que teve no período em que esteve preso também serviram de inspiração para a escrita de seu livro “As revelações do Príncipe do Fogo”, que foi publicado em 1926.

Logo após ser liberado, Febrônio conheceu o dentista Bruno Ferreira Gabina. O médico alugou um consultório pela cooperativa recém fundada pelo criminoso, “A Auxiliadora Médica”. O disfarce da vez era Joaquim Índio do Brasil. Febrônio passou a auxiliar o dentista durante as suas consultas, mas logo ambos abandonaram o consultório sem pagar pelo aluguel. 

Em 1921, Bruno desapareceu sem deixar vestígios. Seu diploma começou a ser usado por Febrônio, que abriu um novo consultório odontológico na Rua Visconde do Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro. 

Já em 1922, as vidas dos pacientes de Febrônio não foram fáceis. Sádico, o criminoso arrancava diversos dentes de seus pacientes, embora a maioria deles fossem saudáveis. O consultório adquiriu tamanha má reputação que, logo, foi transformado em uma agência de empregos. Nessa nova empreitada, ele roubava o depósito caução dos clientes que estavam em busca de trabalho. 

Em 1925, os esquemas de Febrônio foram descobertos e ele fugiu para a Bahia, de modo que pudesse iniciar mais uma empreitada de esquemas e abusos como o Dr. Febrônio Simões de Melo Índio do Brasil. Em seguida, foi para Mimoso do Sul, no estado do Espírito Santo, onde começou a atuar como médico, assumindo, novamente, o nome de seu antigo companheiro de trabalho desaparecido, Dr. Bruno Ferreira Gabina. Sua estadia foi curta, porém devastadora. Deixou duas crianças mortas, após prescrever medicamentos para elas. O historiador Renato Mofati, mesmo hoje em dia, fala sobre a dificuldade de identificar as vítimas:

“Não se sabe a identidade dessas vítimas de Mimoso do Sul, pois moravam no interior e não havia uma boa comunicação, registros. Mas, na cidade, Febrônio, se passando por médico, morou dois meses na Rua Newton Prado, atrás do atual ginásio municipal. Ficava por pouco tempo nos locais”.

A última parada, antes de retornar ao Rio de Janeiro, foi na cidade de Rio Casca, em Minas Gerais. Atuando novamente como médico, agora sob o nome de Dr. Uzeda Filho, ele causou a morte de uma mulher em trabalho de parto.

Uma nova onda de crimes no Rio de Janeiro

Novamente no Rio de Janeiro, Febrônio acabou preso no dia 8 de outubro de 1926, após ser capturado no Pão de Açúcar por dançar completamente nu. Essa captura rendeu, ao criminoso, a internação no Hospital Nacional de Psicopatas, devido à sua compulsão por mentiras e pensamentos delirantes. Ele deixou o local algumas semanas depois por não ter dinheiro para pagar o tratamento. Essa foi a primeira vez que Febrônio foi diagnosticado como um doente mental.

Em 1927, a trajetória de Febrônio começou com uma prisão em janeiro. Nessa ocasião, ele deu início aos seus primeiros crimes sexuais documentados. Ele abusou sexualmente de outros dois detentos na 4ª Delegacia Auxiliar do Rio de Janeiro e assassinou Djalma Rosa, um menor de idade que tentou resistir aos avanços sexuais de Febrônio e foi espancado até falecer. Mesmo sendo solto provisoriamente, o ano de 1927 ficaria na memória de Febrônio como um ano de muitos encontros com celas de prisão e celas acolchoadas. Em fevereiro, após o episódio no qual ele dançava nu, pintado de amarelo, e aterrorizava uma criança amarrada em uma árvore no morro do Corcovado, Febrônio voltou a ser preso. Como agravante, testemunhas contaram ao delegado do caso que o criminoso havia furtado e cozinhado uma cabeça humana que roubou no Cemitério do Caju, na casa em que era inquilino. O delegado, após a ocorrência e os relatos das testemunhas, o encaminhou novamente para o Hospital Nacional de Psicopatas. Após ser examinado mais uma vez, agora pelo Dr. Juliano Moreira, Febrônio recebeu o diagnóstico de portador de uma doença mental.

Transferido para o Hospício Nacional de Alienados, na Praia Vermelha, Febrônio conheceu o jovem Jacob Edelman, de 17 anos, para quem prometeu um emprego em seu consultório odontológico após os dois receberem alta. Outro jovem para quem Febrônio havia prometido emprego, Octávio de Bernardi, de 17 anos,  também se juntou ao grupo logo em seguida. Em Mangaratiba, Jacob teve tatuado em seu tórax as letras “DCVXVI”, enquanto Octávio assistia à cena, aterrorizado. Em seguida, na Ilha do Governador, Febrônio, além de tatuar as iniciais características em Octávio, violentou sexualmente os dois jovens. Poucos dias depois, os dois foram soltos.

Em agosto de 1927, Febrônio continuou a tatuar outros jovens. A vítima da vez foi Manoel Alves, de 18 anos, que, assim como Octávio e Jacob, acreditou na promessa de emprego feita pelo tatuador. O jovem desapareceu.

Essa sequência de abusos rendeu ao criminoso mais uma detenção, durante a qual voltou a abusar dos colegas de cela. Ele foi solto ainda em agosto, já absolvido do crime de homicídio do jovem Djalma Rosa.

Últimos crimes e prisão definitiva de Febrônio

Agosto de 1927 foi um período agitado na vida de Febrônio Índio do Brasil. Além de tatuar Manoel e ser detido e solto, antes da metade do mês, Febrônio já havia capturado a sua próxima vítima. Ele convenceu os familiares de Alamiro José Ribeiro, de 20 anos, de que o jovem deveria aceitar o emprego em uma empresa de ônibus. O rapaz acompanhou o criminoso até um bosque na Ilha do Ribeiro, próximo a Jacarepaguá. Lá, Alamiro tentou resistir às investidas de Febrônio que, contrariado, o estrangulou com um cipó. O corpo de Alamiro foi encontrado dois dias depois. Na mesma data, em 15 de agosto, um jovem de 16 anos, de nome Joaquim, foi tatuado por Febrônio, mas conseguiu fugir das garras de seu agressor.

Fugindo para Petrópolis, o transgressor voltou a adotar o disfarce de Dr. Bruno Ferreira Gabina, atuando, novamente, como dentista. Em sua estadia na cidade, ele comprou um terno com um alfaiate, dando de entrada a farda que utilizou durante o assassinato de Alamiro. Quando o alfaiate se dirigiu ao hotel para coletar a segunda parte do pagamento, Febrônio reparou em um cisto que o profissional tinha no pescoço. Oferecendo tratamento, o falso médico aplicou tintura de iodo e tentou arrancar-lhe o cisto por meio de um golpe de canivete. Com uma hemorragia, o alfaiate fugiu do hotel sem receber o dinheiro pela roupa produzida.

Ao fim do mês de agosto de 1927, Febrônio, mais uma vez, colocou em prática seu eficaz esquema de captação de vítimas: convenceu os pais de João Ferreira, de 10 anos, de que deveria aceitar um emprego como copeiro. Já distante dos pais, Jonjoca, como era conhecido o menino, estava isolado na mata do Largo do França com o assassino. O garoto concordou que Febrônio o tatuasse em troca de um terno. Depois, na mata da Ilha do Ribeiro, João foi estuprado e estrangulado com uma corda. O cadáver do menino foi localizado em 7 de setembro, a 300 metros do local onde foi encontrado o corpo de Alamiro.

Esse agitado mês de agosto teria o seu fim com a prisão de criminoso no dia 3, enquanto ele embarcava em um trem na Estação Barão de Mauá. Febrônio foi capturado após um dos investigadores reconhecer o boné que ele utilizava no dia em que deixou a cadeia, ao lado do corpo de Alamiro. Reconhecido, também, pelo pai de João Ferreira, Febrônio confessou o assassinato de Alamiro e, após o corpo de Jonjoca ter sido encontrado, assumiu o homicídio do jovem de 10 anos. De acordo com as declarações do assassino, os crimes haviam sido cometidos em prol da divindade “Deus-vivo”, que era o símbolo de sua religião.

Diversas outras vítimas de Febrônio não foram consideradas na denúncia do Ministério Público pelo homicídio qualificado de Alamiro e João, por falta de provas. O caso do Dr. Bruno Ferreira, desaparecido após a parceria com o assassino, também ficou sem solução.

No ano de 1928, Febrônio Índio do Brasil foi a júri. Seu advogado sustentou, em sua tese,  a inimputabilidade penal do criminoso, devido à sua manifesta loucura. Depois de exames realizados pelo psiquiatra forense Dr. Heitor Pereira Carrilho, foi emitido um laudo no qual se destacaram as seguintes conclusões:

  • Febrônio Índio do Brasil é portador de uma psicopatia constitucional, caracterizada por desvios éticos, revestindo a forma de loucura moral e perversões instintivas expressas no homossexualismo com impulsões sádicas, estado esse a que se juntam ideias delirantes da imaginação, de caráter místico;
  • As suas reações antissociais ou os atos delituosos de que se acha acusado resultam dessa condição mórbida que lhe não permite a normal utilização de sua vontade;
  • Em consequência, a sua capacidade de imputação se acha prejudicada ou dirimida;
  • Deve-se levar em conta, porém, que as manifestações anormais de sua mentalidade são elementos que definem a sua iniludível temibilidade e que, portanto, ele deve ficar segregado ad vitam para os efeitos salutares e elevados da defesa social em estabelecimento apropriado a psicopatas delinquentes.

Graças a esse laudo, Febrônio foi absolvido e o juiz, Dr. Ary de Azevedo, determinou que ele fosse recolhido a partir de 6 de junho de 1929, como o primeiro interno do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro. Febrônio Índio do Brasil, que fugiu brevemente no ano de 1935, permaneceu no Manicômio Judiciário até o dia da sua morte, em 27 de agosto de 1984, aos 89 anos de idade.

Para saber mais sobre este caso, assista ao vídeo produzido pelo programa Investigação Criminal, clique aqui.

Por Jorge Alves

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