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A quem interesse a história dos irmãos Ibrahim e Pedro Henrique de Oliveira, que ficaram infamemente conhecidos como “Irmãos Necrófilos”, pensa imediatamente nos crimes inescrupulosos que foram cometidos pelos dois. Casos hediondos, nos quais os irmãos mataram e cometeram necrofilia com oito de suas nove vítimas. A população de Janela das Andorinhas, área rural de Nova Friburgo, por mais de um ano foi aterrorizada pelos crimes bárbaros dos irmãos. O terror era tanto que logo se criou uma aura mística sobre os dois. Relatos de seus poderes sobrenaturais se espalharam entre os moradores do povoado: dizem que são possuídos pelo diabo, têm o dom da invisibilidade, dão saltos impossíveis entre as copas das árvores. Logo, os irmãos se tornaram bem mais do que simples homens, eles se tornaram demônios.

A infância dos “Irmãos Necrófilos”

Mas toda história tem o seu início, e não podemos ignorar o início de uma trajetória tão sombria. Até mesmo quem presenciou os atos dos irmãos demonstrou surpresa com as tragédias que eles proporcionaram. Derly Ferreira de Azevedo, um produtor rural de Janela das Andorinhas, mesmo anos após os acontecimentos, em entrevista de 2018 ao jornal “A Voz da Serra”, não deixou de mostrar sua surpresa: “Pessoas que foram nascidas e criadas junto com a gente e a gente nunca esperava que eles se tornariam o que foram.”

O próprio Derly, entretanto, revela alguns dos motivos que fizeram dos irmãos algo diferente de humanos. O pai de Ibrahim e Henrique, Brás de Oliveira, deu início a um processo que levaria seus filhos a se tornarem notícia nacional. Alcoólatra, Brás não deixava de descontar suas frustrações nos dois irmãos e em Maria Luiz Soares de Oliveira, a mãe das crianças. Na descrição feita por Derly, Maria era uma mulher com deficiência intelectual, constantemente espancada por seu esposo. Com os irmãos, não era diferente: “Ele criou aqueles filhos assim, vamos dizer o português claro, à moda cassete, né? Aquelas crianças não tiveram o carinho de pai e de mãe.”

A personalidade de Brás que, além de espancar os filhos ao ponto em que os dois preferiam passar meses na mata ao invés de encontrar o pai, mostra características que seus filhos viriam a reproduzir posteriormente. O isolamento autoimposto por Brás, que não conversava com as pessoas e gostava ainda menos de trabalhar em conjunto, foi um dos comportamentos adotados pelos “Irmãos Necrófilos“, Ibrahim e Henrique, que se isolavam na mata em meio aos seus crimes para viver essa loucura a dois (do francês, “folie à deux”, uma síndrome rara definida como o compartilhamento de sintomas psicóticos entre dois ou mais indivíduos).

Os primeiros crimes

Criados como animais, mais em meio à mata do que dentro de uma casa, espancados por um pai alcóolatra, sofrendo racismo, isolados do mundo e convivendo somente um com o outro, os “Irmãos Necrófilos” deram início ao que seria a história mais tenebrosa já vista pelo pequeno povoado de Janela das Andorinhas. A primeira vez, de acordo com Derly, não está entre os crimes pelos quais os irmãos foram acusados ao longo de sua trajetória de terror.

“O primeiro que começou com isso aí foi o Henrique, o mais velho. Tinha uma menininha aqui embaixo de uma família que morava. Ele apanhou a menininha e a levou lá pro mato. Uma menina com 15 anos, mas raquítica, fraquinha, miudinha. E começou, né? Eles fugiram, aí o pai dela deu parte. Tinha um medo de polícia danado o pai dele (Brás de Oliveira). Aí mudaram lá pra Varginha e, com pouco tempo, eles mataram a menina lá na Varginha, e aí começou aquela vida de crime”.

Henrique que, ao longo das investigações, foi considerado mais como um voyeur dos crimes do irmão do que propriamente o responsável pelos atos de necrofilia. Apesar de alguns relatos também o colocarem como atuante, como veremos posteriormente, foi quem deu início ao caos. Maria Sônia, uma sobrevivente dos ataques dos irmãos, também, em entrevista ao jornal “A Voz da Serra” em 2018, compartilhava a opinião de que Ibrahim era o mais perigoso entre os dois: “Ibrahim era muito atentado, era peste ruim. Graças a Deus que o diabo carregou ele. (…) O Henrique era mais tranquilo”.

Os primeiros crimes atribuídos aos irmãos foram cometidos em 1991, em Riograndina. Em 15 de fevereiro, Eliana Macedo Xavier, de 21 anos, desapareceu. Uma semana depois, seu corpo foi encontrado no meio da mata em estágio avançado de decomposição. Ao lado de seu cadáver, uma certidão de nascimento desgastada, um crucifixo de madeira preta, uma carteira de veludo preta e sua calcinha rasgada. Eliana foi estrangulada com um fio de arame e a perícia determinou que seu corpo havia sido violado após a morte. A maneira que o crime foi cometido logo remeteu ao irmão mais novo, Ibrahim, do qual já se tinham boatos de que ele costumava matar animais e abusar de seus cadáveres na infância, apesar disso, o rapaz não admitiu autoria desse crime.

O delito que levou Ibrahim à prisão foi o assassinato e abuso do cadáver de Norma Claudia de Araújo, de apenas 11 anos. A menina, que foi estrangula com um arame, assim como a primeira vítima, também foi encontrada em meio a mata, com sinais de abuso sexual post mortem. Ibrahim confessou o crime e disse ter matado a menina após ela dizer que “não gostava de preto”, mas negou a participação do irmão no crime. Ibrahim, com 16 anos na época, foi enviado para o Instituto Padre Severino, destinado à internação provisória de jovens infratores, na Ilha do Governador, zona norte do Rio, onde ficou até completar seus 18 anos.

Celso Novaes, coronel reformado da PM, então comandante do 11° Batalhão de Polícia Militar de Nova Friburgo e responsável pelas primeiras buscas aos irmãos em 1995, em entrevista à BBC lamentou o tempo que Ibrahim ficou preso no Instituto Padre Severino, já que o tempo que passou lá pode ter sido determinante para o início da onda de crimes que se seguiu após a soltura: “Dizem que, lá dentro, Ibraim sofreu abuso sexual e maus-tratos. Quando foi solto, saiu pior do que entrou.”

O reinado do terror dos “Irmãos Necrófilos

Logo depois da soltura, Ibrahim retornou à Janela das Andorinhas e causou pânico somente com a sua presença. Os moradores, ainda sem saber o que lhes aguardava, capturaram Ibrahim e o levaram para delegacia. Hélio Fonseca, comerciante, foi um dos que apreendeu o recém-liberado Ibrahim, assim como narra em depoimento ao Jornal “A Voz da Serra”: “No início, foi em 94. Aí nós pegamos. O pessoal ficou assustado, viu o Ibrahim andando aí. O pessoal veio cá, comentou com a gente. A gente conseguiu pegar o Ibrahim, levamos até a delegacia. Chegou lá, o delegado falou para a gente que não tinha como manter ele preso, que ele era de menor e já tinha ficado preso”.

O medo provocado pela presença de Ibrahim não tardou a ser justificado. No ano seguinte, em 1995, começaram os tempos de terror em Janela das Andorinhas.

Em 27 de fevereiro, na segunda-feira de Carnaval, um casal aproveitava o feriado tomando banho em uma cachoeira do povoado. Elizete Ferreira Lima, de 39 anos, deitada ao lado das águas da cachoeira, percebeu uma figura em pé à sua frente. Ibrahim a olhava de cima para baixo. João Carlos Maria da Rocha, de 30 anos, ao ver a situação, saiu correndo da água para socorrer a esposa que se debatia. Antes que pudesse socorrê-la, João foi atingido por diversas pedras, atiradas pelos irmãos. Morto, ele teve seu corpo violado. Elizete, depois de ser espancada, enforcada e estuprada, em um momento de desatenção dos irmãos, fugiu e se atirou de um barranco. Derly Ferreira se recorda do episódio que gerou grande comoção: “Não matou por sorte dela, que ela conseguiu fugir e logo embaixo tinha uma porção de gente. Ela começou a gritar. A mulher chegou no meio da multidão conforme nasceu, nuazinha, gritando socorro, apavorada”.

Já no hospital, Elizete descreveu os assassinos de seu marido. A descrição dos “irmãos necrófilos”, como ficaram conhecidos Ibrahim e Henrique a partir daquele momento, revoltou a comunidade de Janela das Andorinhas. Os moradores do povoado, ensandecidos com o crime, incendiaram o casebre da família Oliveira. Com medo do linchamento, o pai, a mãe e os dois filhos mais novos, Jaílton e Márcia, fugiram da cidade e foram se abrigar em Itaboraí, a 84 quilômetros de distância.

Assim, foi instaurada a caçada policial aos irmãos. Em fuga, eles invadiam chácaras e sítios atrás de comida, roubavam roupas nos varais das casas, dormiam em grutas, cavernas ou acampamentos improvisados em meio à mata, percorriam longas distâncias dentro dos rios para não deixarem rastros. De acordo com relato do cineasta Marcos Prado para a BBC, que se aprofundou na história dos dois irmãos para dirigir o filme “Macabro”, de 2019, os dois chegavam a comer animais crus: “Não cozinhavam para não fazer fumaça”.

No decorrer do frenesi instaurado pela caçada policial, eles fizeram outra vítima. Nem mesmo quem os ajudava estava a salvo da barbárie dos dois irmãos. Vera Lúcia Damasceno, de 35 anos, tia dos meninos, foi morta a facadas em Riograndina. A mulher também sofreu com os atos de necrofilia dos dois. Derly, impressionado com a falta de compaixão dos dois, recordou-se do cadáver: “A tia deles eu fui lá ver. A tia deles, eles cortaram assim. Meteram o facão, cortou a parte do queixo dela, separou. Sendo tia deles!”.

Entre os crimes, Ibrahim e Henrique se escondiam no meio da mata, a qual estavam bastante acostumados a frequentar desde crianças, quando fugiam de casa para escapar dos espancamentos do pai. Os policiais estavam perdidos nas buscas. Perseguir os irmãos em meio à mata parecia impossível, assim como nos narra Novaes, que estava à frente das operações: “Por várias noites, fiquei acordado, sem conseguir dormir. Ficava debruçado na janela, pensando no que eu tinha que fazer para prender aqueles dois. A gente não via luz no fim do túnel. Só desespero!”

Os moradores da região também relataram sobre o medo de se encontrarem com os irmãos. Derly, por pura sorte, não teve o desprazer de se deparar com eles: “Para vocês terem uma ideia, um dia eu escapei por sorte. Não era dia de eu morrer. (…) Eu tenho uma água que eu tenho 1800 metros de mangueira da nascente até a água que eu uso, e faltou água. Eu subi para ver a água e achei a mangueira cortada. (…) Eu estranhei aquilo, mas já tava cabreiro, né? Eu voltei, desci, chamei o Hélio mais uns companheiros, aí nós fomos ver. A gente viu aquela trilha, fomos seguindo a trilha, achamos a cabana deles no meio do mato.”

Por sorte, nenhum dos dois irmãos estava presente no acampamento. Sorte essa que não foi compartilhada por Maria Sônia, que encontrou Ibrahim em pessoa: “Eu vinha descendo. Vinha eu e meu filho. Eu tava com um litro de cachaça na mão e um pedacinho de barra de ferro. Aí ele passou por nós e me cercou. Começou a me jogar casa de cupim. Aí abaixei e saí gritando. (…) Aí meu filho saiu correndo. Ele era pequeno. Aí eu saí correndo e vim embora correndo. Num vi mais ele não. (…) Tinha uma mulher junto comigo, lá em cima, trabalhando. Ele pegou ela. Matou ela com a foice.”

A vítima desse encontro com Ibrahim foi Odete de Carvalho Silva, de 56 anos, no dia 17 de maio, em Riograndina. Morta a golpes de foice, Odete também teve seu cadáver violado.

Após mais esse assassinado, desesperado com a repercussão negativa que o caso estava ganhando, o secretário de Segurança Pública do Rio e general da reserva, Nilton Cerqueira, enviou o Bope para ajudar a polícia local a capturar os “irmãos necrófilos”. O medo já estava instaurado na população. Cerca de 70% dos moradores da região deixaram suas casas. Os que ficaram, se armaram de espingardas. Mulheres e crianças evitavam sair à noite e, quando saíam, eram acompanhadas de escoltas armadas.

O ex-capitão do Bope, Paulo Storani, que também serviu de consultor para o filme “Macabro”, relatou à BBC a situação em que se encontravam os moradores: “O pânico tomou conta da cidade. A população começou a dizer que tinha visto o Ibraim em vários lugares ao mesmo tempo”.

A dificuldade da polícia local em capturar os dois irmãos, que se escondiam ao longo de 300 mil metros quadrados de Mata Atlântica, logo também virou um problema para o ex-capitão do Bope: “Fomos treinados para combater bandido em favela e, não, na floresta. Não recebemos treinamento em guerrilha rural”.

A engenhosidade dos irmãos também foi destacada por Celso Novaes que, por mais de uma vez, os viu fugir de seus homens: “Certa vez, a tropa estava quase capturando os irmãos. Sabe o que eles fizeram? Derrubaram uma casa de marimbondo e mandaram quase 60 homens para o hospital”

Enforcada com a própria saia na cozinha de casa, Íria Moraes Ornelas, de 67 anos, foi a vítima seguinte dos irmãos. O crime aconteceu no dia 27 de julho, no distrito de Banquete, em Bom Jardim. Mais uma vez, assim como em todos os outros crimes, o Instituto Médico Legal comprovou a prática de violência sexual após a morte.

O Bope, em uma tentativa frenética de capturar os irmãos, aumentou consideravelmente o contingente reservado para a missão. O que começou com somente 12 homens, chegou às últimas fases da operação com um batalhão inteiro trabalhando na captura de Ibrahim e Henrique. O Bope mapeou todas as trilhas da região, entrevistou os familiares dos irmãos, traçou o perfil psicológico deles, destacou patrulhas fixas de dois agentes camuflados no meio do mato em turnos de 32 horas, distribuiu patrulhas móveis de quatro homens entre as trilhas da região, junto com mateiros e cães farejadores, e instruiu que seus agentes abandonassem as fardas e fizessem as patrulhas à paisana. Mesmo com todas essas medidas, os “Irmãos Necrófilos” continuavam soltos e espalhando o terror.

Outra mulher que sofreu com o medo imposto foi Márcia Cristina de Melo, de 18 anos na época, que, por pouco, não se tornou mais uma vítima. Acompanhada de sua mãe, Raquel, e de sua irmã, Andréa, Márcia foi surpreendida por Ibrahim, que tentava arrombar a porta de sua casa. Vendo sua mãe e irmã paralisadas de medo, a jovem buscou o revólver de seu pai e atirou diversas vezes contra a porta. Ibrahim, que não sabia usar a armas e se valia apenas de seu facão e estilingue, fugiu com medo dos disparos.

Mesmo com uma recompensa de 5 mil reais por suas cabeças, Ibrahim e Henrique continuavam a escapar das forças policiais e causavam terror.

Em 18 de novembro de 1995, Marcia Dorcileia Faltz, de 39 anos, e seu filho, Adriano Faltz Gomes, de 9 anos, viriam a se tornar as duas últimas vítimas dos irmãos. O crime, que aconteceu em Janela das Andorinhas, também viria a ser o mais perverso dos dois. Adriano, foi vítima de diversas pauladas. Seu pai, que ainda encontrou o menino vivo, tentou levá-lo para o hospital, mas a criança não resistiu aos ferimentos. Dorcileia, que estava grávida de sete meses, foi morta a golpes de facão e pauladas. Ela teve seu corpo arrastado para a mata, violado e seu ventre aberto, deixando o feto exposto. O cadáver foi encontrado somente após uma semana.

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FOTO O GLOBO

O fim dos “Irmãos Necrófilos”

No dia 16 de dezembro de 1995, com um contingente de 600 policiais e mais 100 voluntários, os oficiais finalmente conseguiram pôr fim ao reinado de terror dos “Irmãos Necrófilos“. Ibrahim, com 19 anos, foi avistado em uma fazenda do povoado Sítio do Coronel. Depois de avisada, a polícia invadiu o sítio e avistou Ibrahim. Derly, que estava entre os voluntários da caçada aos irmãos, relatou como ocorreu: “Quando foi um dia aí, o cara lá da Varginha, o cara tinha uma roça de milho, viu o varal. A mulher tinha estendido as roupas. Não viu as roupas no varal, aí viu o rastro. O cara foi seguindo o rastro. Foi seguindo num pasto, tinha uma rede de bambu e o cara viu ele dormindo. Aí o cara tava preparado.”

Após o aviso feito pelo lavrador César Araújo Pinto e a chegada da polícia, cercado, Ibrahim tentou atacar a patrulha com um facão, mas foi atingido pelos disparos. Storani, que participou da caçada, demonstrou seu espanto com Ibrahim que, mesmo após ser atingido pelos disparos, fugiu para o mato e só foi encontrado duas horas depois, já morto: “O comportamento do Ibrahim era animalesco. (…) Fugia como se fosse um animal selvagem, correndo sobre os membros superiores e inferiores.”

A população de Nova Friburgo entrou em alvoroço após a notícia da morte de Ibrahim e se dirigiu para o IML. Com medo de depredação, a polícia transferiu o cadáver para Itaboraí, onde o corpo de Ibrahim foi enterrado como indigente.

Henrique continuou foragido por mais alguns meses. Em 17 de junho de 1996, ele se entregou à promotora Elizabeth Carneiro de Lima, que era responsável pelo caso. De acordo com o relato de Henrique, ele sobreviveu esses meses sem o irmão, saqueando sítios e colhendo vegetais e frutas das lavouras.

No dia 1 de setembro de 2000, Henrique foi condenado pelo júri popular a 34 anos de prisão, dando fim a tenebrosa história dos “Irmãos Necrófilos”. Ele foi solto por bom comportamento, mas se envolveu com traficantes e acabou condenado a mais 7 anos, que atualmente cumpre em Maricá.

Para saber mais sobre este caso, assista ao vídeo produzido pelo programa Investigação Criminal, clique aqui

Por Jorge Alves

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