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A existência dos chamados crimes contra a honra violam dois direitos naturais básicos: a liberdade e a propriedade.

O que uma pessoa pensa e fala é a expressão da sua liberdade e é sua propriedade. Ofender alguém, embora possa ser repugnante e cruel, é a ideia/opinião que a pessoa tem da outra, logo somente a ela pertence. Ainda que seja uma propriedade imaterial, ela pertence à pessoa que fala e ninguém tem o direito de sequestrá-la. Ser babaca é um direito sagrado se queremos uma sociedade livre, assim como é sagrado o direito de resposta no mesmo nível, do boicote social que eventualmente o ofensor sofrer da sociedade.

O ofendido, ao reclamar que estão violando a “sua reputação” não compreende que a sua reputação não lhe pertence, pois sua reputação é o que os outros pensam dele, logo não pertence a ele.

Ninguém tem o direito de punir outra pessoa pelo modo que ela utiliza sua liberdade e sua propriedade, tendo em vista que ela não violou a liberdade ou a propriedade de outrem. Uma sociedade realmente livre exige a liberdade de pensar, falar e agir.

Nessa defesa implacável pela liberdade de expressão, não quer dizer que se deve obrigar outras pessoas a nos ouvir ou a nos fornecer um espaço para nos expressarmos. Não temos o direito, por exemplo, de publicarmos nossas opiniões em um veículo ou em um website que não as queira. Isso é uma mera questão de direito de propriedade.

A liberdade de expressão é um princípio fundamental consagrado nas Constituições democráticas da maioria dos países, como, em diversos Tratados e cartas internacionais. É óbvio pensar que a proteção oferecida à livre expressão é direcionada aos discursos considerados desprezíveis e, até repugnantes, já que não haveria necessidade de proteger o discurso que somente elogia ou expressa palavras agradáveis, já que para isso sequer precisaria de tal direito positivado.

ÔNUS GERADO PELA JUDICIALIZAÇÃO DAS PALAVRAS

Os crimes contra a honra, correspondem a um elevado percentual dos registros policiais no Brasil. Tais crimes são abordados no âmbito do direito penal que é considerado a ultima ratio do Estado, a última medida, dado o seu caráter punitivo, podendo cercear até mesmo a liberdade do cidadão infrator, um ramo marcado pelo princípio da intervenção mínima do Estado.

Segundo dados de 2017 da Secretaria de Segurança Pública de SP, na cidade de São Paulo-SP, foram registrados somente em delegacias comuns, 431.933 ocorrências de crimes contra o patrimônio, 30.533 ocorrências de crimes contra a honra e 35.050 ocorrências de demais crimes. Cerca de 6% das ocorrências registradas são de crimes contra a honra. Excluindo os crimes contra o patrimônio, que se tratam das ocorrências de maior incidência, encontramos que os crimes contra a honra passam a representar cerca de 47% dos registros criminais.

Dos crimes contra a honra, 75% deles são de injúria. Ou seja, o Estado aloca quantidade elevada de policiais, promotores e juízes, além de tantos outros servidores, bem como aloca recursos materiais e todo aparato estatal, para cuidar do que João disse a Maria ou Maria disse a João, ao custo de milhões de reais tomados das pessoas que nada tem a ver com a discussão alheia.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o custo médio de um processo judicial para os cofres públicos no Brasil é de R$ 2.369. Esse valor varia de acordo com o tipo de processo, a instância em que ele tramita e a complexidade do caso.

Ou seja, gasta-se milhões de reais com milhões de inquéritos policiais e processos, para apurar e julgar palavras que uns dizem aos outros, ao invés de utilizar tais recursos para investigar/julgar crimes sérios como, roubos, furtos, estelionatos, homicídios, sequestros e estupros.

A solução para a proteção a eventuais danos que a manifestação da expressão de alguém possa causar, deveria pertencer somente a esfera cível e ser alvo de indenização caso seja comprovado que houve danos objetivos à pessoa, como perda do emprego e prejuízo financeiro por exemplo, já que ao tratar a expressão alheia na seara policial, gera elevada demanda pelo serviço policial, bem como elevado número de boletins de ocorrência, inquéritos policiais e processos criminais, gerando altíssimo custo ao erário público.

PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E A ULTIMA RATIO DO ESTADO

O princípio da intervenção mínima é um dos princípios basilares norteadores do direito penal que é a ultima ratio do Estado, a última medida, o direito mais rigoroso pelo qual o Estado pode privar o cidadão de sua liberdade.

Portanto, o direito penal não pode ser banalizado. Pelo princípio da intervenção mínima o direito penal somente deverá ser aplicado quando todos os outros meios de controle social não tenham obtido êxito.

Além disso, a subjetividade da ofensa, evidenciada por casos similares que são julgados de forma diferente, geram insegurança jurídica, afinal, como as decisões variam no “caso a caso”, alguém que deseje se manifestar com críticas, por exemplo, não saberá se seu discurso estará protegido ou se sofrerá sanções por se expressar.

ISSO SIGNIFICA QUE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DEVA SER IRRESTRITA?

NÃO! Em lugar nenhum do mundo a liberdade de expressão é irrestrita e a razão é muito simples. Não é razoável que não se puna uma pessoa que gritar FOGO!, num cinema, ou BOMBA!, dentro de um avião ou até mesmo comunique falsamente um atentado, gerando pânico e caos. Não é possível que não se puna uma pessoa ou grupo de pessoas que promovam manifestações que visem sistematicamente e deliberadamente um golpe de Estado ou uma ruptura institucional que leve ou possa levar a distúrbios sociais ou que ameace o Estado democrático de direito. Tudo isso é punível criminalmente nos EUA por exemplo, que é um país com alto grau de liberdade de expressão garantido pela primeira emenda de sua constituição.

Em países com alto grau de liberdade de expressão como os Estados Unidos, por exemplo, a INJÚRIA não é alvo nem da esfera cível, nem da esfera criminal. Nos casos de DIFAMAÇÃO e CALÚNIA são tratadas na esfera cível quando realmente causam danos a outra pessoa. Ou seja, não se banaliza o acionamento do aparato estatal e se protege a liberdade de expressão e as pessoas alvos de injustiças.   

O Brasil está há anos luz de ter o real direito a LIBERDADE DE EXPRESSÃO e é necessário lutar por essa pauta, pois é muitas vezes por ela, que perdemos as demais liberdades.

FRASES FAMOSAS QUE PROMOVEM A DEFESA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Uma frase bastante famosa que é atribuída ao filósofo Voltaire, mas que há estudiosos que dizem que na realidade pertence a uma biógrafa de Voltaire, Evelyn Beatrice Hall (1868-1939), faz alusão a defesa plena da liberdade de expressão:

“Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.

Outras frases célebres que promovem a defesa da liberdade de expressão:

“Quando ficar ofendido dá poder às pessoas, elas ficam ofendidas mais facilmente” John Stossel

“Liberdade de expressão não existe, se não tolerarmos os discursos que odiamos” Henry J. Ride

“A liberdade de expressão é, na melhor das hipóteses, um frágil capim, que está sempre correndo o risco de ser arrancado. O que a mantém é algo realmente muito tênue. Por isso, qualquer coisa que tende a enfraquecê-la ainda mais, tem de receber nossa oposição” Walter Block

“É fácil ser um defensor da liberdade de expressão quando isso se aplica aos direitos daqueles com quem estamos de acordo” Walter Block

Imagem ilustra o colunista.

Lucho Andreotti

“Lucho” Andreotti é bacharel em Jornalismo e Direito, Pós Graduado em Segurança Pública, Policial Civil, Coordenador Nacional do Movimento Policiais Livres, Presidente do Instituto NISP (Novas Ideias em Segurança Pública), Assessor Parlamentar, Colunista do Boletim da Liberdade e Autor de dois livros.

 
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