A crescente digitalização e a presença maciça de jovens em plataformas sociais como o TikTok trazem desafios complexos para a sociedade, especialmente no tocante à segurança e proteção de dados pessoais. Nesse cenário, a atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) em investigar o possível tratamento irregular de dados de crianças e adolescentes é um marco. Como bem pontua Hannah Arendt, a responsabilidade ética de uma sociedade se mede pelo tratamento que confere aos seus membros mais vulneráveis, refletindo, assim, a importância de políticas que priorizem o bem-estar infantil em contextos de inovação tecnológica.
Dados da Unicef mostram que cerca de 1 em cada 3 usuários da internet é uma criança, sublinhando a importância de mecanismos eficazes de proteção. Além disso, segundo o relatório de 2019 da WeProtect Global Alliance, crimes digitais contra menores cresceram significativamente, com um aumento de 32% nos casos reportados de abuso infantil online entre 2018 e 2020. Essas estatísticas reforçam a urgência de um maior rigor regulatório e medidas práticas que assegurem a proteção dos dados de menores e combatam práticas prejudiciais.
A decisão da ANPD de exigir do TikTok a desativação do “feed sem cadastro” e a implementação de verificações de idade é crucial para conter os riscos associados à exposição de dados. Michel Foucault, ao analisar a sociedade de controle, sugere que as tecnologias, quando desreguladas, podem se tornar instrumentos de vigilância e manipulação. Nesse contexto, a proteção de crianças online não é apenas uma questão de privacidade, mas uma defesa contra a exploração e o uso indevido de suas informações para fins lucrativos.
A França também exemplifica a extensão desse problema, onde acusações recentes contra o TikTok destacam a exposição de jovens a conteúdos prejudiciais, como vídeos que promovem automutilação e transtornos alimentares. John Stuart Mill, com sua visão sobre liberdade e limites, argumentaria que a liberdade de uma empresa termina onde começa o risco à segurança de terceiros — especialmente de grupos vulneráveis. Assim, a responsabilidade legal do TikTok, apontada por advogados como Laure Boutron-Marmion, é um reflexo de que a proteção digital deve ser uma prioridade nas democracias modernas.
Embora as plataformas digitais proporcionem inovação e conectividade, seu crescimento acelerado trouxe um efeito colateral preocupante: o aumento de crimes cibernéticos contra menores. Segundo o Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (CERT.br), em 2022 houve um crescimento de 27% nos relatos de assédio online envolvendo menores em comparação ao ano anterior. Tais números indicam que a falta de mecanismos robustos de proteção pode resultar em sérias consequências para a integridade psicológica e física de crianças e adolescentes.
No Brasil, a LGPD consagra o princípio do melhor interesse de crianças e adolescentes, ecoando a ideia de Immanuel Kant de que o respeito pela dignidade humana deve ser incondicional. A aplicação rigorosa da lei é, portanto, uma forma de materializar essa ética, garantindo que os menores sejam protegidos não apenas de vazamentos de dados, mas de influências nocivas e práticas predatórias disfarçadas de entretenimento e interatividade.
A responsabilização de plataformas digitais vai além da legislação nacional. O cenário global revela que a regulamentação é um caminho inevitável. Jürgen Habermas, ao discorrer sobre a esfera pública e a necessidade de diálogo, indicaria que a criação de normas internacionais sobre segurança infantil online é um processo colaborativo entre governos, sociedade civil e as próprias empresas. Isso assegura que o direito à informação e à segurança caminhem juntos, protegendo a população mais jovem.
Casos como o do TikTok demonstram que a proteção infantil na internet é uma questão multifacetada, exigindo ação coordenada entre entidades reguladoras, governos e empresas. A Comissão Europeia, em seu relatório de 2023, destacou que 74% dos pais europeus se preocupam com o acesso de seus filhos a conteúdos inadequados. É imperativo que as plataformas avancem em sua responsabilidade social, investindo em tecnologias que detectem e removam conteúdos potencialmente nocivos antes de alcançarem um público jovem.
À medida que novas investigações como a da ANPD se tornam mais comuns, a sociedade começa a compreender melhor os desafios da era digital. A frase de Jean-Jacques Rousseau, que dizia que “o homem nasce livre, mas por toda parte encontra-se acorrentado”, pode ser reinterpretada para refletir o paradoxo digital atual: uma geração de jovens que cresce em uma internet de infinitas possibilidades, mas que está cercada por riscos não visíveis. Somente com regulação eficaz e compromisso ético poderemos equilibrar liberdade e segurança.
Em última análise, o esforço pela segurança online dos menores não pode ser visto apenas como uma obrigação legal, mas como uma manifestação do valor que a sociedade dá ao futuro de seus cidadãos. A ANPD e outras entidades internacionais indicam que proteger os jovens na era digital não é apenas um desafio técnico, mas um dever moral e ético. É preciso que todos — governos, empresas, famílias — compartilhem dessa responsabilidade para construir um ambiente mais seguro e propício ao desenvolvimento saudável de nossos jovens.