Desde 5 de maio o Estado do Rio Grande do Sul vem sofrendo com as condições climáticas adversas na região, acumulando vítimas diretas, indiretas e coletivas. Infelizmente as vítimas que hoje têm despertado a atenção da mídia e do governo, logo serão esquecidas. Em um passado não tão distante temos as vítimas das enchentes na Bahia, no litoral de São Paulo, Brumadinho, Mariana e Teresópolis, apenas para se mencionar alguns exemplos.
Pouco se sabe a respeito de políticas públicas que foram implementadas a partir desses eventos traumáticos. Muitas foram as doações recebidas, porém pouca transparência a respeito da destinação dada aos recursos recebidos. A crescente ocorrência de desastres no território brasileiro torna cada vez mais necessário revisitar os erros passados, realizar um diagnóstico de riscos no presente, a fim de prevenir desastres futuros, a reincidência de desastres e, realizar uma reparação efetiva às vítimas quanto aos danos tangíveis e intangíveis sofridos.
Em nome da urgência são dispensados certames licitatórios. Verbas públicas são alocadas para o atendimento às vítimas, embora não se tenha um plano de contingenciamento e gerenciamento de situações de crise. A ausência de planejamento descumpre dever constitucional, eis que no art. 21, XVIII, estabelece ser competência da União “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas[…]”.
Enquanto isso, desde maio de 2022 existe o requerimento de urgência pela aprovação do Estatuto da Vítima (PL n. 3890-2020) aguardando a chancela da Presidência da Câmara dos Deputados. O Estatuto da Vítima prevê os direitos humanos básicos das vítimas de crimes, calamidades públicas e desastres naturais, além do Portal da Vítima em regime de cogestão pelos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público, consoante o que segue:
Art 2º As disposições deste Estatuto aplicam-se às vítimas de infrações penais, atos infracionais, calamidades públicas, desastres naturais e epidemias, independentemente de sua nacionalidade e vulnerabilidade individual ou social.
§ 1º As disposições desta lei aplicam-se às vítimas indiretas no caso de morte ou de desaparecimento diretamente causados por infração penal, ato infracional, calamidade pública, desastre natural ou epidemia, a menos que sejam os responsáveis pelos fatos.
§ 2º No caso de vitimização coletiva causada pela prática de infração penal, ato infracional, calamidade pública, desastre natural ou epidemia, serão adotadas medidas especiais de proteção, apoio e desvitimização.
O Estado possui o dever de precaução em matéria ambiental, o que implica na formulação de políticas públicas preventivas. Em Taiwan, por exemplo, existe uma unidade especial que atende vítimas de desastres naturais em apenas duas horas, além de emitir comunicados à população sobre eventuais situações de risco existentes.
Com o avanço tecnológico é pouco provável que não se possa prever riscos potenciais à população e, com isso, sejam adotadas medidas visando a redução dos danos existentes. Não é mais justificável a omissão do Estado Brasileiro em empregar a diligência devida em face de potenciais vítimas, além de monitoramento de coletivos vulneráveis existentes.
Em um país com dimensões geográficas continentais é tempo e hora de se aprovar legislação que garanta direitos mínimos à população vulnerabilizada, além de política pública adequada quanto ao que deve ser feito no pós desastre.
A cada nova tragédia são alocados recursos públicos e privados sem que sequer exista um planejamento adequado de medidas a serem adotadas a curto, médio e longo prazo. Precisamos de uma política de Estado que esteja focada no bem-estar coletivo, impessoal e eficiente. Será lamentável se o Estado Brasileiro for condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por ausência de política de prevenção, apoio e desvitimização às vítimas de calamidades públicas e desastres naturais. Aguarda-se que essa tragédia sensibilize o nosso legislador que já é tempo e hora do Brasil adequar sua legislação aos reclamos daqueles que sofrem.