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Celeste Leite

A PEC dos Estupradores e a naturalização da pedofilia no Brasil

Numa afronta à opinião pública, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, em Brasilia-DF, acabou de aprovar Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe o aborto no Brasil até em casos previstos na lei, como o estupro, por exemplo. Tal projeto – que recebeu a alcunha de PEC dos Estupradores, não sem motivo — elimina qualquer resquício da liberdade de escolha de meninas e de mulheres, em nosso País, de serem mães quando vítimas de abusadores / agressores. Ainda que não se tenha consenso sobre o tema em nossa sociedade, nem fatos novos que justifiquem a volta da discussão do tema infame, após ampla rejeição popular da iniciativa, a questão em tela é mais séria e grave do que aparenta ser. Hoje, o abortamento legal é permitido em casos de estupro, de risco de vida para a gestante e quando é constatada a anencefalia do

imagem ilustra as autoras

Os direitos humanos e os refugiados na discussão internacional do C20-G20

A proteção internacional dos refugiados é um dos temas mais urgentes e desafiadores no contexto dos direitos humanos contemporâneos. O deslocamento forçado de pessoas por perseguição, conflitos e desastres naturais gerou aumento, sem precedentes, no número de cidadãos vulneráveis ao redor do mundo, o que exige maior atenção das organizações internacionais e dos Estados. Diante deste cenário, a inclusão de termos como “refugiados” em documentos internacionais, mesmo quando considerados soft law, revela-se de fundamental importância para a consolidação e a promoção de direitos humanos e de garantias fundamentais a esta população. Soft law são regras transitórias – comandos normativos negociados, com diferentes graus de exigibilidade e de responsabilização face ao seu descumprimento. Servem como uma espécie de “laboratório normativo”, no qual princípios fundamentais podem ser testados, amadurecidos, e, eventualmente, codificados em regulamentos definitivos. Assim, a inclusão do termo “refugiado” em documentos de soft law, na qualidade de relatórios finais, constrói

imagem ilustra o presidente assinando um papel

40 anos de prisão para quem comete feminicídio ainda é alento para um País sem Estatuto da Vítima

Preocupação cada vez maior da sociedade, o feminicídio é amplamente definido como o assassinato de mulheres pelo fato de serem, simplesmente, mulheres. Este tipo de crime tem por fundamento as relações assimétricas de poder, infelizmente, ainda vigentes em nossa sociedade, por meio da perpetuação do paradigma de superioridade do sexo masculino sobre o feminino.  Trata-se de um fenômeno enraizado em estruturas de poder produzidas por organizações patriarcais, alimentado por ações misóginas que negam, lamentavelmente, às mulheres o direito à segurança física e mental.  As formas mais frequentes de feminicídio ocorrem em contexto de violência doméstica e familiar, ou por razões de discriminação. É comum, ainda, que esteja associado à prática de outros delitos, como tortura e violência sexuais, especialmente em casos associados ao tráfico de mulheres ou ao crime organizado. Conhecida como “Pacote Antifeminicídio”, a lei 14.994, sancionada nesta quarta-feira (9 de outubro de 2024), endurece a política criminal ao

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O papel transformador do Banco Vermelho: em memória às vítimas de feminicídio

A lei 14.942, de 31 de julho de 2024, introduziu o projeto Banco Vermelho como uma das ações e campanhas de prevenção e de conscientização da violência contra a mulher. A iniciativa consiste na instalação de, pelo menos, um banco na cor vermelha em espaços públicos de grande circulação de pessoas. Nele, devem constar frases que estimulem a reflexão sobre o tema e contatos de emergência, como o número telefônico da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), para denúncias e suporte às vítimas. A legislação prevê, ainda, ações de conscientização em escolas, universidades, estações de trem e de metrô, rodoviárias, aeroportos e outros locais de grande circulação de pessoas. Trata-se de ação afirmativa em prol dos direitos das mulheres de serem livres e autônomas numa sociedade ainda impregnada por uma visão androcêntrica.  No Brasil, uma mulher morre a cada 15 horas, por feminicídio. Elas têm filhos, familiares e amigos,

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Investigação criminal das organizações criminosas reticulares

O conceito de rede é essencial para a análise de atividades criminosas praticada por grupos de criminosos ou pelo crime organizado. Ela se constitui pelo conjunto de atores sociais interrelacionados de alguma forma. Tradicionalmente as organizações criminosas possuem uma dinâmica interna caracterizada por uma estrutura mais flexível, descentralizada e horizontal (Von Lampe 2003). A Lei n. 12.850/13 define em seu parágrafo primeiro as organizações criminosas como “a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. Ainda sobre o tema vigora no Brasil a Convenção de Palermo (Decreto n. 5015/2004). A definição do crime organizado nos ajuda a demarcar o fenômeno e delimitar as fronteiras conceituais entre o crime

A perpetuação de estereótipos em julgamentos e a prevenção à violência institucional

Há poucos dias, o País ficou estarrecido com a seguinte fala de um desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR): “Quem está correndo atrás de homem são as mulheres”. Como se não bastasse, a frase, absurda e abjeta, foi proferida durante o julgamento da necessidade de a Justiça manter medida protetiva a uma estudante, de 12 anos, por possível assédio sexual de um professor. O episódio gerou a instauração de processo disciplinar e o corregedor-geral da Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, determinou, em caráter liminar, o afastamento cautelar imediato do desembargador do Plenário: “Não há dúvidas, até aqui, de que as manifestações do reclamado reforçam preconceitos, pré-julgamentos e estereótipos de gênero, como se mulheres fossem criaturas dependentes de aprovação, aceitação e desejo masculino”, afirmou Salomão, que também sugeriu a prática do crime de violência institucional contra a vítima. Tal tipo de crime constitui o ato de submeter vítimas e

imagem ilustra resgate de vítima

As tragédias climáticas e os direitos das vítimas

Desde 5 de maio o Estado do Rio Grande do Sul vem sofrendo com as condições climáticas adversas na região, acumulando vítimas diretas, indiretas e coletivas. Infelizmente as vítimas que hoje têm despertado a atenção da mídia e do governo, logo serão esquecidas. Em um passado não tão distante temos as vítimas das enchentes na Bahia, no litoral de São Paulo, Brumadinho, Mariana e Teresópolis, apenas para se mencionar alguns exemplos.Pouco se sabe a respeito de políticas públicas que foram implementadas a partir desses eventos traumáticos. Muitas foram as doações recebidas, porém pouca transparência a respeito da destinação dada aos recursos recebidos. A crescente ocorrência de desastres no território brasileiro torna cada vez mais necessário revisitar os erros passados, realizar um diagnóstico de riscos no presente, a fim de prevenir desastres futuros, a reincidência de desastres e, realizar uma reparação efetiva às vítimas quanto aos danos tangíveis e intangíveis sofridos.

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Política Judiciária de enfrentamento e apoio às vítimas de crimes 

O atendimento às vítimas de crimes constitui um dos direitos básicos das vítimas previsto na Resolução 40/34, de 1985 da ONU. Há também Resolução 60/147 de 16 de dezembro de 2005 que estabelece “Princípios e Diretrizes Básicas Sobre o Direito a Recurso e Reparação Para Vítimas de Violações Flagrantes das Normas Internacionais de Direitos Humanos e de Violações Graves do Direito Internacional Humanitário”. A Resolução 60/146 conceitua vítima como: vítimas são pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido um dano, nomeadamente um dano físico ou mental, um sofrimento emocional, um prejuízo económico ou um atentado importante aos seus direitos fundamentais, em resultado de atos ou omissões que constituam violações flagrantes das normas internacionais de direitos humanos, ou violações graves do direito internacional humanitário. Sempre que apropriado, e em conformidade com o direito interno, o termo “vítima” compreende também os familiares próximos ou dependentes da vítima direta e as pessoas que

Políticas públicas de qualidade: um direito da população autista

Em meio ao Abril Azul, mês dedicado à conscientização sobre o autismo e à promoção da inclusão sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), é importante falarmos sobre esta condição multifacetada, um transtorno do neurodesenvolvimento, identificável ainda na primeira infância que, de acordo com dados do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), atinge cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil. O termo autismo foi criado em 1908 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, descrevendo a fuga da realidade observada em pacientes esquizofrênicos. No entanto, foi em 1943 que o psiquiatra Leo Kanner publicou um trabalho seminal sobre os “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo”, descrevendo casos de isolamento extremo e padrões obsessivos em crianças.  Por décadas, o autismo foi erroneamente considerado uma doença no mundo. Essa visão equivocada resultou em estigmatização e falta de compreensão em relação às pessoas com transtorno do espectro autista, mas hoje, felizmente, com o avanço

Violência contra a mulher: como abordar o tema com crianças?

Na última semana, os noticiários repercutiram as prisões dos ex-jogadores Daniel Alves e Robinho. Enquanto o segundo foi preso, o primeiro, já condenado, vai esperar o julgamento do recurso em liberdade. Os acontecimentos, mais do que escancaram crimes cometidos por esportistas, causam (ou deveriam) também enorme preocupação para os pais a mães, afinal os atletas também representam ídolos de crianças e adolescentes. Afinal, o mundo do esporte sempre foi responsável por “fornecer” modelos de comportamento para as próximas gerações. E, portanto, é inevitável que responsáveis pela educação de crianças se sintam confrontados com as sombras que surgem entre os chamados “heróis” dos campos de futebol. Para além dos julgamentos dos crimes em questão, os episódios lançam uma luz intensa sobre um aspecto da nossa sociedade: a educação dos meninos e rapazes para um futuro de respeito e igualdade. Ou seja, é preciso, sim, celebrarmos os feitos esportivos de atletas em