Decisão recente de uma juíza, no Rio Grande do Sul, colocou na rua um bandido que atirou contra policiais, atingindo uma agente da lei, inclusive, na cabeça. A magistrada, em decisão proferida no julgamento da Ação Penal 5007920-40.2022.8.21.0023/RS, entendeu que o ato do criminoso de mandar bala na polícia se tratou apenas de “resistência”, e não tentativa de homicídio doloso contra os profissionais de segurança pública.
O confronto de criminosos contra policiais é frequentemente objeto de debates acalorados. Essas discussões refletem posturas distintas, impulsionadas por paixões e interpretações pessoais, o que pode levar a uma divisão doutrinária entre aqueles que estão envolvidos na aplicação do Direito em momentos de crise e aqueles que analisam a situação com distanciamento.
Essas divergências ocorrem porque a interpretação do Direito em contextos de confronto armado envolve não apenas questões legais, mas também considerações éticas, morais e de segurança pública. Alguns argumentam que os policiais têm o direito e a obrigação de usar a força necessária para proteger a si mesmos e a sociedade. Outros questionam a proporção da resposta policial em situações de confronto.
Porém, causa muita preocupação, e insegurança jurídica, o recente caso em que a Justiça do Rio Grande do Sul revogou a prisão preventiva de um suspeito de atirar contra 6 policiais e ferir gravemente a agente Laline Almeida Larratéa, 36 anos, da 3ª DP de Rio Grande, no dia 1º de abril de 2022. A juíza da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rio Grande considerou que o caso não foi uma tentativa de homicídio, mas um crime de “resistência”, com pena mais branda, e colocou o acusado em liberdade.
A magistrada, em seu entendimento, justifica que o criminoso, ao disparar contra os policiais (e na direção deles), não tinha a intenção de matá-los, nem assumiu esse risco. E ainda conclui que o objetivo do criminoso era apenas impedir que os policiais entrassem na residência, opondo à execução de um ato legal decorrente de decisão judicial. Assim, ela reclassificou a acusação de “tentativa de homicídio doloso qualificado” para “resistência” (com pena máxima de 2 anos).
A julgadora manifestou ainda uma grande preocupação com a possibilidade de uma interpretação exagerada do dolo eventual e impediu que o criminoso fosse julgado pelo Tribunal do Júri, pois, para ela, o acusado não tinha a intenção de matar os policiais, e sim desejava resistir à abordagem.
É importante que essas divergências sejam analisadas de forma cuidadosa. A legislação e a jurisprudência devem ser consideradas, bem como princípios éticos e constitucionais que regem as ações da polícia e a responsabilidade do Estado em proteger a vida e a integridade de todos os envolvidos.
Além disso, de acordo com a lei brasileira, um crime é considerado doloso quando o agente deseja o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Essas são regras basilares do direito penal e aceitas como pontos pacíficos. É importante compreender e aplicar essas noções básicas do Direito para garantir a justiça e a segurança jurídica.
No caso em tela, podemos considerar diversas ações criminosas sendo praticadas quando o criminoso dispara contra os policiais.
Primeiro: se opor à execução de ato legal, neste caso a captura pelos policiais, é considerado resistência à ação do Estado.
Além disso, quando alguém atira contra policiais específicos e identificados, a pessoa está assumindo o risco de produzir o resultado da morte desses agentes policiais. Reflete um propósito homicida, de violência extrema e de forma letal, a intenção consciente de tirar a vida de outra pessoa. Nesse caso, o dolo é duplo: a pessoa está atacando a administração pública ao se opor à sua ação com violência; e há a intenção deliberada de atentar contra a vida de quem representa essa administração, que são os policiais, desrespeitando sua incolumidade e buscando prejudicar a ação estatal.
É necessário ressaltar que a pena para o crime de resistência é aplicada independentemente das correspondentes à violência empregada. Ou seja, mesmo que a pessoa seja condenada pelo crime de resistência, isso não impede que ela também seja responsabilizada pelas consequências de sua conduta armada, como as tentativas ou os homicídios decorrentes dos disparos.
A análise dos fatos específicos e a correta aplicação das leis pertinentes são fundamentais para garantir que a justiça seja feita e que o responsável por essas ações seja devidamente punido.
A sociedade e o sistema jurídico precisam estar atentos e atuar com rigor diante de crimes dessa natureza, garantindo a proteção dos profissionais de segurança pública, bem como a manutenção do Estado de Direito. A punição apropriada, de acordo com as leis vigentes, é uma forma de assegurar que a justiça seja aplicada e que a ordem seja mantida.
A impunidade não está somente relacionada a leis lenientes e fracas, mas também em interpretações equivocadas do garantismo penal de Luigi Ferrajoli, totalmente deturpado de sua origem.
Não se deve confundir garantismo penal com impunidade. Como teoria político-jurídica, em sua essência, busca garantir que a aplicação do direito penal se dê dentro dos limites estabelecidos pelos direitos fundamentais dos cidadãos, assegurando que o sistema de justiça criminal atue de forma justa, equilibrada e proporcional.
Raquel Gallinati
Delegada de Polícia; pós-graduada em Ciências Penais, em Direito de Polícia Judiciária, e em Processo Penal; mestre em Filosofia; e Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil e Embaixadora do Instituto Pró-Vítima.