Porto Alegre foi palco de uma reclamação um tanto inusitada: um morador local decidiu levar uma queixa ao Procon contra o aplicativo de encontros Tinder. O motivo? Insatisfeito com os resultados após quatro anos de assinatura paga, ele não conseguiu marcar sequer um encontro significativo. A situação, noticiada pelo portal g1, levanta questionamentos sobre as promessas de conexão amorosa vendidas por essas plataformas. Será que, ao investir dinheiro para impulsionar o perfil, o usuário está pagando por uma garantia de “match” ou apenas por uma promessa vaga de maior visibilidade?
A entrada do Procon nesse caso coloca em pauta o papel do órgão na proteção dos consumidores em serviços digitais. A grande questão que emerge é: até que ponto o Tinder pode ser responsabilizado por algo tão subjetivo quanto garantir um parceiro amoroso? Em sua defesa, o aplicativo provavelmente argumentará que sua assinatura oferece apenas um destaque maior no algoritmo, sem assegurar encontros. Entretanto, a linha entre propaganda e indução ao erro pode ser tênue. Se o consumidor é levado a crer que pagar um valor mensal lhe trará mais chances de sucesso, até onde vai a responsabilidade da empresa?
O marketing dos aplicativos de relacionamento muitas vezes cria a ilusão de que o sucesso depende apenas da exposição. Com isso, é fácil imaginar que quem paga mais aumenta suas chances de encontrar alguém. Mas será que isso é vendido de maneira ética? O usuário, ao gastar dinheiro, espera um retorno que justifique seu investimento, e a frustração de não obter encontros após anos de tentativas é compreensível. A propaganda de “potencial de encontro” deveria, talvez, ser acompanhada de um aviso claro sobre a ausência de qualquer garantia.
A atuação do Procon em situações como essa nos leva a uma reflexão sobre os limites da proteção ao consumidor. O órgão existe para defender o público de práticas abusivas e enganosas, mas será que deveria intervir em casos de insatisfação emocional? Resolver problemas de “corações partidos” certamente não faz parte de suas atribuições. Contudo, se uma empresa vende uma expectativa mensurável – e cobra por isso – há margem para questionar se o consumidor está sendo lesado. Em última análise, a ação do Procon pode pressionar as empresas a serem mais transparentes sobre o que realmente oferecem.
Além do aspecto financeiro, há também o impacto emocional desse tipo de serviço. Aplicativos de namoro se tornaram uma das principais alternativas para quem busca relacionamentos, e a promessa de encontrar alguém especial está longe de ser apenas uma questão de dinheiro. Em tempos de solidão crescente, muitos veem nesses aplicativos uma chance real de se conectar. Porém, quando o investimento feito não leva a nenhuma experiência significativa, o usuário se sente não apenas sem um parceiro, mas também com a sensação de ter sido enganado, o que amplia a insatisfação.
Este caso específico expõe um fenômeno recente: a mercantilização das relações afetivas. A ideia de que é possível comprar uma chance de amor é, em si, um reflexo dos tempos modernos, onde tudo se consome de forma rápida e superficial. A frustração do consumidor não é apenas pelo gasto financeiro, mas pelo que ele esperava encontrar no aplicativo. Quando essas promessas não se cumprem, sobra o vazio de uma expectativa alimentada, mas não satisfeita. Será que pagar mais realmente aumenta as chances de conexão, ou é apenas uma ilusão criada pelo marketing?
O que resta desse episódio, acima de tudo, é uma reflexão importante sobre ética e transparência no marketing digital. Mesmo que o caso do Procon não resulte em uma vitória legal para o consumidor, ele lança luz sobre o dever das empresas de serem claras em suas promessas. Se cada “match” fosse uma garantia, os aplicativos de namoro certamente funcionariam de forma bem diferente. Como diria o filósofo Jean-Paul Sartre, “O inferno são os outros” – mas, nesse caso, talvez o inferno seja a ilusão de que um algoritmo pode resolver nossos dilemas amorosos.