A recente história envolvendo Natália Schincariol, que denunciou ameaças, ofensas e agressões físicas perpetradas por seu ex-marido, Luís Cláudio Lula, filho do atual presidente da República Lula, é não apenas triste, mas também ilustrativa.
O seu depoimento foi considerado coerente e verossímil pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que determinou medidas protetivas urgentes, incluindo a proibição de aproximação a menos de 200 metros de Natália, bem como a restrição de acesso aos locais frequentados por ela e a proibição de qualquer forma de contato. Além disso, foi ordenado que ele se afastasse do local de residência compartilhado.
O comportamento de agressão e covardia é não só desonroso, mas também intolerável. Aqueles que o praticam devem ser responsabilizados pelo que fizeram, independentemente de sua posição social – incluindo filhos de presidentes da República.
A violência contra as mulheres emerge como uma das mais graves violações dos direitos humanos, apresentando-se como um desafio substancial tanto para a polícia e sistema de justiça criminal, quanto para as políticas públicas.
A Lei n.º 11.340/06, comumente conhecida como “Lei Maria da Penha”, representa um avanço considerável na luta pelos direitos das mulheres desde sua promulgação. Esta legislação estabelece medidas para conter a violência doméstica e familiar contra a mulher, tendo o potencial de interromper a convivência entre agressor e vítima por meio de medidas protetivas.
Apesar de o Brasil dispor de uma das cinco melhores legislações do mundo nesse contexto, infelizmente ainda ocupamos posições destacadas nos rankings globais de violência contra as mulheres. Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), o Brasil figura como o quinto país mais violento para as mulheres, ficando atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. É uma realidade trágica e vexatória.
Diariamente, testemunhamos inúmeras mulheres, como Natálias, Marias, Carolinas, Isabelas, Verônicas e tantas outras, que estão aprisionadas em uma gaiola invisível e silenciosa de violência, que perdem suas vidas simplesmente por serem mulheres. É essencial assegurar uma proteção eficaz às vítimas de violência doméstica e fazer com que os agressores compreendam que as mulheres estão respaldadas e protegidas pela lei, mesmo quando os crimes não são flagrados. O grande desafio reside no fato de que, na maioria das vezes, o agressor é o próprio parceiro e a violência ocorre no ambiente doméstico. Começa gradualmente, com insultos, gritos e agressões físicas, muitas vezes mantidas por longos períodos devido a ciúmes e possessividade. Quando esses casos vêm à tona, o pior já aconteceu e muitos entram para as estatísticas de feminicídio. É um enredo conhecido, mas tristemente real.
O desejo das vítimas é por uma proteção efetiva, que garanta, de fato, o direito à vida, acima de tudo.
Às mulheres que se encontram nessa situação, deixo aqui mais uma recomendação: quando se sentirem em risco, dirijam-se a uma delegacia, denunciem, antes que seja tarde demais e figurem nas estatísticas de mais vítimas de feminicídio.
Raquel Gallinati
Delegada de Polícia; pós-graduada em Ciências Penais, em Direito de Polícia Judiciária, e em Processo Penal; mestre em Filosofia; e Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil e Embaixadora do Instituto Pró-Vítima.