A história do nosso país é recheada de injustiças que fazem o nosso estômago revirar e nossos olhos esbugalhar, e, como a maioria das injustiças que aqui acontecem, essa que relato agora, aconteceu com um menino preto, de apenas 12 anos. As atrocidades cometidas contra este menino, enquanto preso em uma cela com 20 adultos, influenciaram a maioridade penal ser estipulada em 18 anos. As diversas fontes citam o caso com dois nomes diferentes, ora como o caso do menino Waldemiro, ora como o caso do menino Bernardino. Para nosso relato, utilizarei Waldemiro.
Contexto histórico
Para que todos tenham um contexto do momento a que nos referimos, depois do fim do nosso império, o primeiro Código Penal da nossa república ficou vigente entre os anos de 1890 a 1922. De acordo com essa legislação, crianças, a partir dos 9 anos de idade, poderiam ser responsabilizadas pelos seus crimes. Em 1922, uma reforma no Código Penal elevou essa idade para 14 anos, mas não proibiu a prisão de crianças e adolescentes. Vale lembrar que, em um país que acabara de extinguir a escravidão sem dar suporte aos ex-escravos recém libertos, os jovens que sofriam com tais imposições eram pretos.
O caso do menino Waldemiro
Waldemiro tinha 12 anos de idade em 1926. Ele era engraxate e vendia os seus serviços nas ruas do Rio de Janeiro. Em um determinado dia, após engraxar o sapato de um dos seus clientes na Praça XV, o homem se recusou a pagar Waldemiro. Ele deu as costas para o menino, que em um ímpeto de raiva, arremessou tinta contra ele. O cliente caloteiro chamou a polícia, que ao chegar prendeu o menino, que não soube explicar o que aconteceu. Waldemiro foi então encaminhado para a cadeia da Polícia Central por quarenta dias. Ele foi colocado em uma cela com 20 adultos.
Pelo período de quatro semanas, Waldemiro foi constantemente estuprado e espancado pelos outros detentos. No dia 22 de fevereiro de 1926, Waldemiro foi jogado na rua. Ele foi resgatado e enviado para a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
Os médicos que atenderam Waldemiro, revoltados com o estado do menino, denunciaram o caso ao jornal O Globo. Os repórteres informaram que Waldemiro estava “em lastimável estado” e “no meio da mais viva indignação dos seus médicos”. A imprensa carioca deu grande importância ao caso, que também chocou a população fluminense, mesmo que ela estivesse acostumada ao tratamento bárbaro dispensado aos jovens pobres naquela época. O Correio da Manhã publicou a indignação em suas páginas no dia 24 de março de 1926:
“(…) tais esculápios devem ser muito jovens para que desgraças como essa ainda lhes causem espanto. Preso, um mês sem processo? Isso só pode surpreender aos que não tiveram a desdita de enfrentar de perto as mentiras da nossa democracia. Quanto ao mais, isto é, ao tratamento infligido a esse rapazelho, durante dias, é realmente para provocar a revolta (…)”.
A repercussão
Um ano depois (1927), no dia 12 de outubro, pressionado pela opinião pública, o presidente Washington Luiz assinou o Código de Menores, que, entre outras medidas, estipulou a maioridade penal em 18 anos e definiu que menores de 18 anos não podem ser processados criminalmente. O código também protegia menores de 14 anos abandonados, que passaram a ser submetidos a medidas socioeducativas ao invés de qualquer outro tipo de punição. Esta postagem é patrocinada por nossos parceiros.
O Código, que continha mais de 200 artigos, também teve outras medidas importantes a época: repressão do trabalho infantil, repressão dos castigos físicos exagerados e a criação de tribunais dedicados aos menores de 18 anos. O texto também estipulava que menores entre 14 e 17 anos seriam encaminhados para escolas reformatórias, menores de 14 anos, que não tivessem família, para uma escola de preservação e os mais novos, com família, poderiam retornar às suas casas, caso seus pais prometessem às autoridades que não permitiram que seus filhos se tornassem reincidentes. Esse sistema recebeu o nome de Serviço de Assistência ao Menor (SAM).
Em novembro de 1926 já havia sido inaugurada a Escola João Luiz Alves, na ilha do Governador, destinada ao abrigo de menores infratores que estavam detidos nas celas da Casa de Detenção.
Para saber mais sobre este caso, assista ao vídeo produzido pelo programa Investigação Criminal, clique aqui.
Por Jorge Alves